Apresentação

O Forlibi surgiu da necessidade de unir as línguas brasileiras de imigração com o objetivo de instaurar um diálogo permanente entre estas comunidades linguísticas, e se propõe a ser um espaço de pesquisa, mediação e articulação política em variadas frentes para o fortalecimento das mesmas. Reunindo falantes e representantes das línguas de imigração e de instituições parceiras, tem como propósito delinear ações coletivas para a promoção das línguas nas políticas públicas em nível nacional.

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

O fim do silêncio

Crianças alfabetizadas em uma língua que não dominam, silenciosas, com vergonha de se expressar em seu idioma mesmo entre si. Em Santa Maria de Jetibá, na região serrana do Espírito Santo, essa era uma situação comum nas escolas. No município, que recebeu grande número de imigrantes da Pomerânia - região situada entre a Alemanha e a Polônia -, a língua usada por muitas das famílias ainda hoje é o pomerano. Apesar disso, até há pouco tempo o idioma era ignorado pelas instituições de ensino. Para incluir esses alunos e valorizar sua cultura, o Programa de Educação Escolar Pomerana (Proepo) trouxe a língua para a grade de estudos da educação infantil e do ensino fundamental. Entre os resultados estão a valorização e a retomada do idioma por muitos jovens que o vinham abandonando e a melhora no desempenho escolar desses estudantes, além do registro escrito dessa cultura, suas músicas e histórias.

O programa teve início em 2005, com a seleção dos professores que fariam o curso de pomerano organizado pela secretaria de educação. Apesar de a maioria dos docentes participantes já ser falante da língua, não conheciam sua escrita, pois o idioma foi difundido apenas oralmente na região. Além de Santa Maria de Jetibá, quatro municípios vizinhos com população de mesma origem participam do programa. "Elaboramos um termo de parceria entre as cinco cidades para amparar legalmente a adoção do bilinguismo nas escolas, garantir o compromisso dos municípios, definir a coordenação e as verbas que seriam destinadas ao Proepo", explica Síntia Bausen Kuster, coordenadora do programa em Santa Maria de Jetibá. A parceria acaba de ser renovada para os próximos quatro anos.

No curso de formação são realizados dois encontros mensais em que os professores se familiarizam com a escrita pomerana, estudam sua gramática e planejam atividades de ensino. Em 2010, Santa Maria de Jetibá deve abrir o curso também para os não falantes do idioma, preteridos neste primeiro momento - em outros municípios, a participação de não falantes já acontece. O curso também deve passar a ser organizado em módulos e incorporar novos temas, como antropologia.

Guicila Krüger, professora de pomerano em escolas rurais de Santa Maria, conta que melhorou o domínio falado do idioma com o curso, que começou a frequentar em 2007. "Achava muito difícil ler em pomerano antes, mesmo falando a língua desde criança. Resgatamos muitas palavras que estavam sendo deixadas de lado na língua falada aqui."

Embora o programa seja recente, a procura pelo curso em Santa Maria de Jetibá foi grande. "Antes do Proepo trabalhávamos a cultura pomerana na escola, mas a língua não era abordada, apesar de ser nosso traço mais marcante", diz Síntia.

Professora de Vila Pavão, um dos municípios participantes do programa, Alexfandra Holz destaca a aprendizagem da escrita no curso de formação. "Eu até lia um pouco, mas não sabia escrever em pomerano. O programa foi fundamental para resgatar a cultura dos falantes, voltamos a ouvir essa língua sendo falada nas ruas", ressalta. Holz, que também participa da administração do Proepo na cidade, conta que o programa foi interrompido em 2009, em função da crise econômica, mas deve ser retomado este ano. "Os pais e alunos tinham grande interesse nas aulas e questionaram muito o motivo da interrupção", diz. Em Vila Pavão, as aulas de pomerano ocorriam no contraturno do ensino regular.

Recepção

"As aulas do idioma foram muito bem recebidas. A matéria fortalece o contato com a língua, mesmo daqueles que falam em casa", explica Flaviana Coimbra Loreato, diretora do Centro Municipal de Educação Infantil Pomernn. O censo linguístico realizado na unidade apontou que cerca de 60% dos alunos da escola têm origem pomerana. "Há casos em que os pais já não ensinavam a língua aos filhos que, mesmo assim, compreendem o idioma. Os alunos de outras origens também gostam das aulas: as crianças brincam com as línguas e o pomerano, além disso, tem semelhanças com o inglês e o alemão", conta Flaviana.

Mônica Gums Raasch, professora itinerante de pomerano, conta que algumas famílias já a procuraram porque também queriam fazer o curso, que por enquanto só existe para os alunos. Guicila também destaca o interesse pelas aulas. "As crianças gostam bastante e os pais dão muito valor porque já foram discriminados por causa de sua língua", diz.

"Como não falamos a língua em casa, meus filhos não aprenderam comigo. Hoje, meu caçula de três anos já sabe falar várias palavras e até me questiono por que não ensinei isso a ele", conta Alessandra Brandt. Na casa de Vera Lúcia Conceição da Silva a situação é outra. Na família, que se mudou há pouco tempo para a cidade, ninguém conhecia o pomerano. "Por morarmos aqui, acho interessante conhecer a língua, já que ouvimos vizinhos e parentes se comunicando no idioma. Meu filho de 5 anos tem muita facilidade para aprender e até gostaria que o tempo reservado às aulas fosse maior", ressalta.

Para os alunos que não falam o idioma, é um curso de língua como qualquer outro e as dificuldades são as mesmas encontradas no restante do país, relata Síntia Kuster, coordenadora do Proepo. Para Mônica, esses alunos precisam de uma atenção especial nas aulas, mas a leitura e a escrita, por exemplo, são novidades para todos. "Entre os alunos não falantes, alguns não demonstravam muito interesse pelas aulas, mas muitos tinham curiosidade, já que ouvem a língua sendo falada pelos amigos".

Em 2009, o pomerano foi oficializado como língua oficial do município ao lado do português, o que também deve aumentar o interesse pelas aulas.

Estrutura

As escolas de educação infantil e de 1ª a 4ª série do ensino fundamental de Santa Maria de Jetibá têm aulas de pomerano em sua grade. Da 5ª à 8ª série a matéria também faz parte do currículo dos alunos e é cursada uma vez por semana. "O ideal seria ter metade das aulas das diferentes disciplinas em português e a outra metade em pomerano, como uma escola bilíngue realmente, mas isso ainda não é possível", explica Síntia.

No momento, 32 das 45 escolas municipais já participam do Proepo e a meta da cidade é que as unidades restantes possam aderir ao programa neste ano. O número ainda insuficiente de professores com habilitação para ensinar o idioma é uma das restrições para a expansão do programa. Uma alternativa adotada no município é ter três professores trabalhando de forma itinerante, lecionando em diversas escolas rurais. É o caso de Mônica Raasch, que dá aula em três escolas de ensino fundamental e uma de educação infantil.

Entre as estaduais, uma escola já participa do Proepo e a segunda deve começar neste ano. "Há uma ruptura muito grande quando o aluno vai para a escola estadual", diz Síntia. "O programa tem apoio da secretária estadual de educação, mas eles oferecem o curso de pomerano no contraturno das aulas regulares e não integradas em sua grade normal, como preferiríamos". Apesar disso, a secretaria estadual de educação apoia o programa e a edição de livros e do dicionário pomerano-português.

A falta de livros e material didático para trabalhar com os alunos é uma dificuldade. "Fiz muito material em casa para usar nas aulas. No curso de formação também elaboramos muita coisa para ser trabalhada em classe e já temos alguns livros editados, mas ainda há falta de materiais", conta Mônica. Há alguns projetos para preencher essa lacuna, como a cartilha e o dicionário infantil pomerano-português, que devem ser publicados já em 2010. "A cartilha compilará projetos e atividades que temos desenvolvido nas escolas, como jogos, literatura, histórias infantis e músicas tradicionais, entre outros, pesquisados pelas professoras", explica Síntia.

Além da motivação dos alunos, um dos resultados apontados é a melhora de seu desempenho - especialmente nos primeiros anos de escolarização. Em 2008, por exemplo, todas as escolas com aulas de pomerano para os alunos da 1a série apresentaram índice de aprovação igual ou superior a 80% nessas turmas. Já entre as escolas cujos alunos da 1a série não participavam do programa, só metade apresentou o mesmo índice de aprovação. Em cinco delas (17% do total) a aprovação foi igual ou inferior a 50%. O Ideb do município também melhorou: em 2005 era de 3,2 entre as escolas de 1ª a 4ª série. Já em 2007, este número foi para 4,3.

O direito das pessoas de manter sua língua e se alfabetizar nela também é defendido pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Para o órgão, a alfabetização deve ser feita na primeira língua ou na língua que o aluno conhece melhor, o que facilitaria até mesmo a posterior alfabetização em outros idiomas. "Perder nossa língua seria abandonar uma parte essencial de nossa cultura e dos conhecimentos transmitidos por meio dela. O pomerano não é mais falado na Europa, mas deve ser reconhecido como língua do Brasil", defende Síntia.

As ações Proepo:
  • Curso de formação para os professores sobre escrita, gramática e didática do ensino da língua;
  • Elaboração de livros e materiais didáticos para uso nas aulas;
  • Criação de disciplina e inserção na grade curricular dos alunos da educação infantil e do ensino fundamental;
  • Professores itinerantes, que dão aula em várias escolas, para solucionar a falta de docentes habilitados a ensinar o idioma;
  • Censo linguístico por amostragem realizado nas escolas; 
  • Cooficialização da língua pomerana, ao lado do português;
  • Parceria com cidades vizinhas para garantir extensão do projeto às comunidades pomeranas de toda a região.

Oficialização do pomerano

A cooficialização do idioma pomerano em Santa Maria de Jetibá, cidade com o maior número de falantes da língua no Brasil, ocorreu em junho de 2009, na comemoração dos 150 anos da imigração pomerana para o Espírito Santo. A medida trouxe novo impulso ao programa, aumentando o interesse pela língua entre os não falantes. "É o primeiro município no Brasil a ter uma língua de imigrantes oficializada. Em geral, isso só acontece com línguas indígenas", ressalta Síntia Kuster, que coordena o Proepo.

O último censo sobre o número da população falante do pomerano é de 1945, quando a língua foi proibida por ser considerada semelhante ao alemão e associada ao nazismo. Um novo censo linguístico por amostragem está sendo realizado nas escolas de Santa Maria e oito mil alunos ou seus pais já foram entrevistados sobre sua língua e a de sua família. "Devido ao preconceito que sofriam, muitos deixaram de falar o pomerano ou não ensinaram a língua a seus filhos. Com o censo, esses dados serão organizados por família, região e escola. Poderemos calcular qual a perda geracional sofrida pela língua", explica Síntia, que já passou por essa situação. "Eu mesma, quando criança, dizia que não sabia falar pomerano para não ser discriminada, apesar de só ter aprendido o português aos sete anos e da dificuldade para entender a professora na escola", conta. O quadro ainda se repetia entre os alunos de Mônica Raasch. "Os alunos tinham vergonha de se expressar em pomerano e falavam mal o português. Falavam pouco, acabavam se calando", lembra.

Fonte: Boas Práticas - Edição 13 - 2/2010

Um comentário:

  1. Carìssima Thais.
    Che inissiativa belìssima!
    Par che no se fà lostesso col Talian?
    Son seguro che ghinè depi Taliani, che ponerami in Santa Catarina. Nde vedere a Palma Sola. La Odete la ve riceverà con slegriaz.

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