Apresentação

O Forlibi surgiu da necessidade de unir as línguas brasileiras de imigração com o objetivo de instaurar um diálogo permanente entre estas comunidades linguísticas, e se propõe a ser um espaço de pesquisa, mediação e articulação política em variadas frentes para o fortalecimento das mesmas. Reunindo falantes e representantes das línguas de imigração e de instituições parceiras, tem como propósito delinear ações coletivas para a promoção das línguas nas políticas públicas em nível nacional.

terça-feira, 25 de novembro de 2014

Comunidade Hunsriqueana comemora a aprovação do Projeto para Inventário de sua Língua

Comunidade Hunsriqueana comemora a aprovação do Projeto para Inventário de sua Língua

Cleo Vilson Altenhofen
O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) divulgou no mês passado (ver notícia aqui) o resultado da habilitação e avaliação das propostas do Edital de Chamamento Público 004/2014 – Identificação, Apoio e Fomento à diversidade linguística no Brasil – Línguas de Sinais, Línguas de Imigração e Línguas Indígenas. Dentre as propostas aprovadas estão duas parcerias com o IPOL: o Inventário da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) e o Inventário do Hunsrückisch (hunsriqueano) como língua brasileira de imigração. Este último será desenvolvido pelo IPOL e pela UFRGS, e tem por base o Projeto ALMA, coordenado pelo prof. Cleo Vilson Altenhofen, o qual será ampliado desde a perspectiva do Inventário Nacional da Diversidade Linguística (INDL), abrangendo novas comunidades linguísticas, especialmente no Espírito Santo. 

A notícia da aprovação do Projeto do Inventário do Hunsrückisch foi comemorada euforicamente pela comunidade Hünsriqueana. Como exemplo dessa celebração apresentamos a seguir a correspondência do prof. Cleo Vilson Altenhofen destinada àquela comunidade e demais parceiros envolvidos no Projeto.

Querid@s amig@s do Hunsrückisch e demais parceir@s da diversidade de línguas,

Gostaria de agradecer a vocês pelo apoio dado ao nosso projeto "Inventário do Hunsrückisch (hunsriqueano) como língua brasileira de imigração", que no início deste mês encaminhamos junto com o IPOL (Instituto de Investigação e Desenvolvimento em Política Linguística - http://e-ipol.org/sobre-o-ipol/) a um edital de Chamamento Público Nº 04/2014 - Identificação, Apoio e Fomento à Diversidade Linguística no Brasil, do IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - http://portal.iphan.gov.br/portal/montarDetalheConteudo.do?id=18657&sigla=Noticia&retorno=detalheNoticia).

Estava apenas aguardando o resultado final, recém publicado no dia 27/10 passado (http://www.iphan.gov.br/baixaFcdAnexo.do?id=4825), para comunicar que o projeto, para nossa alegria, foi aprovado, na modalidade de línguas de imigração, com a nota máxima. Dentro do possível, queremos deixá-los a par do desenvolvimento deste projeto, como sinal de respeito e consideração, pois uma língua não pertence a ninguém em particular, e sim é fruto de uma coletividade. É por isso em conjunto com as comunidades de falantes que queremos desenvolver este inventário do Hunsrückisch. Uma amostra de que essa parceria pode render muitos bons frutos, sobretudo em prol de uma consciência da importância de saber línguas diferentes, incluindo aí sobretudo a língua de nossos pais e avós, foi dada durante o envio das declarações de anuência, em que muitos de vocês expressaram sua confiança e aprovação à nossa proposta de trabalho. Chegamos a mais de cem declarações dos mais diferentes lugares. Esse número teria sido maior se tivéssemos tido mais tempo. O mais co-movente, porém, foi ver a mobilização por meio da língua e pela língua, e que lembrou um poema de João Cabral de Melo Neto, Tecendo a Manhã, o qual vai aqui traduzido para o Hunsrückisch, com o intuito de agradecer o apoio recebido e dar voz e ouvidos a ainda mais falantes que, em virtude da urgência do pedido e do enorme trabalho que envolveu a montagem do projeto, não conseguimos atingir desta vez. 

Tecendo a Manhã
(Poema de João Cabral de Melo Neto)

  Um galo sozinho não tece uma manhã:
  ele precisará sempre de outros galos.
  De um que apanhe esse grito que ele
  e o lance a outro; de um outro galo
  que apanhe o grito que um galo antes
  e o lance a outro; e de outros galos
  que com muitos outros galos se cruzem
  os fios de sol de seus gritos de galo,
  para que a manhã, desde uma teia tênue,
  se vá tecendo, entre todos os galos.

  E se encorpando em tela, entre todos,
  se erguendo tenda, onde entrem todos,
  se entretendo para todos, no toldo
  (a manhã) que plana livre de armação.
  A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
  que, tecido, se eleva por si: luz balão.
Der Moint om Stricke
 (Tradução para o Hunsrückisch: Cléo V. Altenhofen)

  En Hoohn alleen strickt noch net en Moint:
  Der braucht immer annre Hoohne.
  Von enne, wo sein Krehe gappscht, wo der
  unn en annre weiter langt; von‘en annre Hoohn,
  wo sein Krehe gappscht, wo en Hoohn ewe
  unn en annre weiter langt; unn von annre Hoohne,
  wo mit en Haufe annre Hoohne sich die Sunnfedme
  von denne sein Hoohnekrehe iwerziehe,
  fo dass der Moint, bis von en dinn Spinneweb
  sich langsam stricke lesst, unnich de ganze Hoohne.

  Unn beim Sich Sterkre in en Tuch, unnich all,
  beim Uffstelle von en Hitt, wo die renngehn all,
  beim Sich Vegniese fo se all, om Dach
  (der Moint) wo frei von Gestell in der Luft schwebt.
  Der Moint, Dach von en so liftiche Stoff,
  wo, Stoff, von selebst uffsteiht: Licht Balong.



Tal como os galos anunciando manhãs, esperamos ouvir muitas vozes em Hunsrückisch, exprimindo sem medo a sua cultura e história, em solo brasileiro. Nos próximos dois anos (2015-2016) de vigência do projeto, não faltarão oportunidades de inter-ação. Um canal de comunicação importante, neste sentido, será o blog do Fórum Permanente das Línguas Brasileiras de Imigração (http://forlibi.blogspot.com.br/). Fiquem atentos e, por favor, encaminhem este e-mail a pessoas de contato e, principalmente, informem sobre a aprovação do projeto àqueles que não possuem endereço eletrônico e que tenham colaborado com as cartas de anuência. Pelas pontes, muito obrigado.

Obrigado, por fim, também ao IPHAN pelo apoio e confiança no "Inventário do Hunsrückisch (pt. hunsriqueano) como língua brasileira de imigração".

En fosche Abrass unn vielmols danke scheen

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Cleo Vilson Altenhofen
cvalten@ufrgs.br
Coordenador da Pesquisa

Rosângela Morello
dandarim@gmail.com
Coordenadora Geral pelo IPOL

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Línguas Guarani Mbya, Asurini do Trocará e Talian recebem certificação de Referência Cultural Brasileira em cerimônia

Três línguas são reconhecidas pelo Iphan como Referência Cultural Brasileira

Rosângela Morello, coordenadora geral do IPOL, na entrega do diploma
 de reconhecimento da língua indígena Guarani Mbya -
Foto: Facebook de Maria Ceres Pereira
As línguas foram apresentadas em encontro ibero-americano que debater políticas públicas para a preservação da diversidade linguística.

Talian, Asurini do Trocará e Guarani Mbya são as primeiras línguas reconhecidas como Referência Cultural Brasileira pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e que agora passam a fazer parte do Inventário Nacional da Diversidade Linguística (INDL), conforme dispõe o Decreto 7387/2010. Essas línguas e os representantes de suas comunidades foram homenageados durante o Seminário Ibero-americano de Diversidade Linguística, que acontece em Foz do Iguaçu (PR), até o dia 20 de novembro.

Representantes da comunidade falante de Talian recebem o título
 de referência cultural brasileira das mãos da Sra. Jurema Machado,
 presidente do Iphan - Foto: Facebook Diversidade Linguística.
Na última terça-feira, dia 18, as comunidades receberam da presidenta do Iphan, Jurema Machado, o certificado do registro das línguas, que ocorreu em 09 de setembro de 2014. Segundo ela, este é “de fato o primeiro resultado de uma política que se pretende muito ampla de proteção da diversidade linguística. Esses três primeiros ocorrem porque eram estudos mais adiantados, mas o que se pretende é estender ao maior número possível de línguas, de forma que elas tenham direitos e, enfim, a proteção do Estado."

O Talian é utilizada por uma parte da comunidade de imigração italiana, na Região Sul do Brasil, sobretudo nos estados do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina. A língua é falada desde que os italianos começaram a chegar ao país, no final do século XIX. Há municípios desses estados nos quais o Talian é língua co-oficial. Ou seja, detém relevância tanto quanto a língua portuguesa.

Asurini do Tocantins na cerimônia de titulação
de sua língua - Foto: Facebook Diversidade Linguística.
Asurini do Trocará ou Asurini do Tocantins é a língua falada pelo povo indígena Asurini, que vivem as margens do Rio Tocantins, no município de Tucuruí (PA). A língua pertence à família linguística Tupi-Guarani.

Guarani Mbya é uma das três variedades modernas da Língua Guarani, juntamente com o Nhandeva ou Ava Guarani e o Kaiowa. A língua Guarani Mbya é uma das línguas indígenas faladas no Brasil, ocupando uma grande faixa do litoral que vai do Espírito Santo ao Rio Grande do Sul, além da fronteira entre Brasil, Bolívia, Paraguai e Argentina. Os Guarani representam uma das maiores populações indígenas do Brasil. Estão distribuídos por diversas comunidades.

Guarani na cerimônia de titulação -
 Foto: Facebook Diversidade Linguística.
Seminário Ibero-Americano de Diversidade Linguística 
O evento vai discutir políticas públicas para a preservação e promoção da diversidade linguística dos países Ibero-americanos.  O objetivo do encontro é possibilitar a reflexão sobre as experiências e iniciativas desenvolvidas pelos países, como a política brasileira para a diversidade linguística, além de propiciar um espaço de levantamento, sistematização e análise de experiências e iniciativas voltadas à promoção do espanhol e do português como segundas línguas dos países Ibero-americanos, assim como nos Estados Unidos, Canadá, Caribe e África Lusófona.

Durante o Seminário vão ocorrer ainda os seguintes eventos:  Encontro de Autoridades Ibero-Americanas sobre Políticas Públicas para a Diversidade Linguística, reunindo representantes de todos os países que integram a comunidade ibero-americana, e o Fórum Línguas, Culturas e Sociedades, organizado pela Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA).

O evento é uma parceria do Iphan e do Ministério da Cultura com a Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA). Essa é primeira edição do encontro. A cidade de Foz do Iguaçu foi escolhida para sediar o evento por estar na fronteira do território linguístico do português, espanhol e das línguas minoritárias faladas no espaço ibero-americano.

INDL
Para que uma língua seja reconhecida e passe a fazer parte do Inventário Nacional da Diversidade Linguística (INDL) ela precisa ser falada em território nacional há, pelo menos, três gerações, o marco temporal é em torno de 75 anos. O objetivo do Inventário é associar a expressão linguística à sua comunidade de referência e valorizar a expressão enquanto aspecto relevante do patrimônio cultural brasileiro.

Para fazer é solicitação, é necessário que a comunidade encaminhe o pedido de inclusão no INDL para o Iphan. O pedido é analisado por uma comissão técnica formada por representantes dos seguintes ministérios: Ministério da Cultura, Educação, Ciência Tecnologia e Inovação, Justiça e Planejamento. Se esses representantes decidirem pelo reconhecimento, o processo segue para a sanção da Ministra da Cultura.

Saiba mais sobre a Política da Diversidade Linguística clicando aqui.

Veja, clicando aqui, o certificado de registro da língua Talian
Veja, clicando aqui, o certificado de registro da língua Asurini do Trocará
Veja, clicando aqui, o certificado de registro da língua Guarani Mbya

Serviço: 
Seminário Ibero-Americano de Diversidade Linguística
Data: 17 a 20 de novembro de 2014
Local: Foz do Iguaçu (PR)

Página Diversidade Linguística no Facebook.

FEIBEMO - Federação de Entidades Ítalo-Brasileiras no Meio-Oeste e Planalto Catarinense

FEIBEMO - Federação de Entidades Ítalo-Brasileiras no Meio-Oeste e Planalto Catarinense

A FEIBEMO foi fundada em 17/08/1996, com sede e foro no município de Caçador-SC, sendo uma sociedade civil, com personalidade jurídica própria, sem fins lucrativos e com duração indeterminada. É de caráter apolítico e seu quadro social é composto por Entidades Ítalo-Brasileiras. Sua abrangência territorial vai da Serra lageana ao Município de Seara-SC entre os limites do Estado com o Rio Grande do Sul e do Paraná. Possui atualmente trinta associadas dos mais diversos municípios de sua abrangência. Expande-se com a língua italiana na rede municipal para o Oeste do Estado.

Tem por finalidade coordenar, orientar e facilitar a operacionalização dos objetivos de suas associadas, visando ao resgate da cultura italiana e favorecer intercâmbios.

Seus principais objetivos são o de promover a língua italiana, resgatar a cultura, a tradição, a memória e os costumes dos imigrantes italianos e introduzir novos mecanismos da cultura italiana, dentre outros.

Cada associada da FEIBEMO promove e desenvolve anualmente um calendário de eventos com atrações específicas com intuito de cultuar e divulgar a cultura italiana trazida pelos imigrantes. A Federação incentiva e apóia essas iniciativas. Favorece também intercâmbios, através da divulgação e devidas orientações para o seu encaminhamento, em especial de estudos, promovidos por diversas Regiões da Itália.

Para maiores informações, acesse aqui o site da FEIBEMO.

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Encontro Nacional de Revitalização do Ensino da Língua Ucraniana no Brasil

Encontro Nacional de Revitalização do Ensino da Língua Ucraniana no Brasil

Dia 22 de novembro de 2014 (sábado)
Inicio às 13:00 horas
Rua Augusto Stellfeld, 799 – Curitiba – Sociedade Ucraniana do Brasil - SUBRAS 

São convidados todos os professores de língua ucraniana, os responsáveis pelo ensino da língua nas universidades e sociedades ucranianas civis e religiosas e os interessados em ampliar o ensino da língua ucraniana . 

O objetivo é analisar a atual situação do ensino da língua no Brasil, verificar os projetos existentes, identificar os entraves e apontar linhas de ação para a revitalização do ensino da língua ucraniana no Brasil. 

Confirme a sua presença ! 

Informações : Representação Central Ucraniano Brasileira
E-mail: rcucranianobrasileira@gmail.com | Fone: (041) 9981 5402

Fonte: Representação Central Ucraniano Brasileira

Moradores da Serra Gaúcha tentam salvar o dialeto talian da extinção

Moradores da Serra Gaúcha tentam salvar o dialeto talian da extinção

Os adultos da família Isotton se comunicam em dialeto,
 mas as crianças, apesar de entenderem, resistem em falar.
O reconhecimento da língua como Patrimônio Imaterial do país traz a esperança de que ela renasça do declínio

Por Luísa Martins
Fotos: Anderson Fetter/Agencia RBS

Ainda gritado pelos nonos e nonas mas cada vez mais ausente do repertório das crianças, o dialeto talian, falado por mais de 500 mil descendentes da imigração italiana ao Brasil, está prestes a ser promovido ao status de idioma. No próximo dia 18, um certificado expedido pelo Ministério da Cultura (MinC) vai classificá-lo, em um movimento inédito, como Referência Cultural Brasileira —um título que sinaliza o percurso contrário ao silêncio e traz a esperança de que a língua, em declínio nas últimas décadas, se salve da morte.

A 95 quilômetros de Bento Gonçalves, Serafina Corrêa é a única cidade brasileira em que o talian é idioma co-oficial (lei municipal em vigor desde 2009). Ainda assim, a ritmada língua de erres acentuados e vogais bem pronunciadas está praticamente restrita aos ambientes domésticos. Os mais velhos falam, os adultos respondem e a gurizada, em geral, apenas entende.

— Eu tenho um pouco de vergonha de falar — confessa em português o estudante Enzo Isotton, oito anos.  

Dentro de casa, ele e o irmão Guido, seis anos, conseguem acompanhar o diálogo dos pais e dos avós. Moram todos juntos e, diariamente, dividem a mesma mesa de café da manhã, em um sobrado perdido na zona rural do município, a 10 quilômetros do Centro. Já ouviram, em talian, seu Jeronimo e dona Odila, ambos com 82 anos, contarem sobre o passado de lida no campo, rezarem a novena e reclamarem de uma época em que o acesso à educação era difícil. Na hora de parlar, porém, os meninos emudecem. A mãe, Daniela Ferrari, não tem dúvidas sobre o motivo.

— No colégio, os colegas debocham, riem, fazem piada. É o que acaba os intimidando cada vez mais — diz ela, com a propriedade de quem convive com a situação todos os dias, já que dirige uma escola de Ensino Fundamental.

A palavra para isso não tem origem italiana nem brasileira. O bullying se expressa sem que as crianças sequer tenham consciência de que o Brasil não é feito só da língua portuguesa (a Unesco calcula que, em todo o país, sejam falados 210 idiomas minoritários, 70 deles estabelecidos por imigrantes). Assim, quando algum aluno diz “zeito” em vez de “jeito”, logo começa o cochicho: está errado.

Em vídeo, veja o retrato do Talian:


— Acho que é um tipo de preconceito — afirma Daniela. — Ultimamente, as pessoas têm valorizado tanto quem sabe falar duas línguas clássicas, como português e inglês, por exemplo. Por que conhecer o português e o talian é visto de uma forma diferente?

Não há resposta certa, mas existem desconfianças. A suposição da ex-pesquisadora da Universidade de Caxias do Sul (UCS) Marley Pértile, doutora em Letras e especialista em Linguística Aplicada, com ênfase na área de Bilinguismo e Línguas de Imigração, é a de que, como há o italiano oficial, o talian é frequentemente tachado de língua falsa, um “dialetão de colono”. Visão equivocada, segundo ela:

— Se você se comunica através de uma linguagem, ela é legítima.

O escritor e professor Darcy Loss Luzzatto é o autor do dicionário
português-talian, uma das únicas obras disponíveis para
consulta ortográfica do idioma de imigração.
O receio em falar o talian, afirma o escritor e professor Darcy Loss Luzzatto, também pode ser um resquício da política de nacionalização implementada por Getúlio Vargas durante o Estado Novo, na década de 1940, em uma tentativa de silenciar qualquer língua que não fosse o puro português. Regiões de colonização estrangeira podiam ser secretamente inspecionadas — e não raro quem fosse flagrado conversando em talian, também chamado vêneto brasileiro, ia preso. Àquela época, Luzzatto, ao ajudar a atender um cliente do bar que o pai havia aberto na minúscula Pinto Bandeira (onde nasceu e hoje reside), ouviu:

— Ceo, dame un cichet de caciassa col fernet (Menino, me dá um traguinho de cachaça com fernet).

O homem foi levado pela polícia — uma memória latente até hoje para o escritor. Também não sai da lembrança o dia em que uma professora, na escola, disse que o talian era um dialeto de gente estúpida e ignorante.

— É aquela história: depois que o cara é massacrado, vira brigão — brinca ele, que do desrespeito à lingua-mãe fez nascer as três únicas obras da gramática taliana (Noções de Gramática, História e Cultura, Dissionàrio Talian-Portoghese e Dicionário Português-Talian) e que, toda segunda-feira, encara 100 quilômetros de estrada, ida e volta, para dar uma só aula de talian a um grupo de alunos de Serafina Corrêa, a maioria professoras do ensino básico.

A bibliografia elaborada pelo escritor foi uma das consultadas para a elaboração de um grosso relatório que, enviado ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) sob a coordenação de Marley, então docente da UCS, radiografa a situação do talian no Brasil. A pesquisa realizada em 2009 aponta, por exemplo, que a perda linguística do talian de uma geração para outra pode chegar a 36% — uma queda significativa se comparada ao fim da década de 1980, em que um levantamento demonstrou perda inferior a 1%.

O documento foi a principal etapa de uma epopeia pelo reconhecimento. Começou em 2001, nove anos antes de o órgão criar o Inventário Nacional da Diversidade Linguística (INDL). Entusiasta do talian, o escritor, poeta e hoje blogueiro em Erechim Honório Tonial, 88, descobriu que existia uma coisa chamada Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil. Ouviu sobre isso no rádio, durante a Voz do Brasil — noticiário tornado obrigatório, ironicamente, pelo mesmo Vargas que tentou encolher a italianice dos descendentes. Então, por meio da Federação das Associações Ítalo-Brasileiras do Rio Grande do Sul (Fibra/RS), enviou um ofício ao Iphan, que acolheu o pedido e indicou o dialeto como objeto para o projeto-piloto de inventário — com um aporte de R$ 150 mil do MinC. A esperada cerimônia de condecoração será em Foz do Iguaçu (PR), dia 18, durante o Seminário Ibero-Americano de Diversidade Linguística.

Para Paulo Massolini, presidente da Fibra, a oficialização do talian como idioma brasileiro — e primeira língua de imigração a ser reconhecida Patrimônio Imaterial do Brasil — abre precedente para que, finalmente, se reformule o programa de ensino das séries escolares iniciais. Atualmente, do primeiro ao quarto ano do Ensino Fundamental, os alunos têm aulas de italiano regular.

— Que nem de longe é o que representa a nossa cultura — afirma Massolini.

É que o talian surgiu de uma mistura. No século 19, a Itália era dividida por regiões, cada uma com seu dialeto particular. Recém-chegados ao Brasil em busca de um pedaço de terra em um país novo e ainda pouco desbravado, imigrantes de várias regiões (Lombardia, Trentino-Alto Adige, Friuli-Venezia Giulia, Piemonte, Toscana, Ligúria e, principalmente, Vêneto) foram postos em convivência pelos donos das colônias. Precisavam constantemente adaptar seus múltiplos falares para que conseguissem se entender.

— Aos poucos, palavras brasileiras foram sendo inseridas no vocabulário, mas com uma sintaxe veneta — explica o professor Luzzatto.

A palavra “tamanco”, por exemplo, em italiano fala-se “zoccolo”. No talian, acabou virando “tamanchi”.

No entanto, o que Luzzatto tem como grande trunfo do talian pode ser justamente o que, para a professora Marley, é o desafio de inserir o ensino do idioma na grade curricular do ensino básico:

— El talian se lo scrive come se lo parla e se lo parla come se lo scrive (O talian se escreve como se fala e se fala como se escreve).

— E, por isso, é difícil de ensinar — aponta Marley.

O talian é uma linguagem que ainda não está sistematizada gramaticalmente. Muito porque, até a década passada, existia apenas na fala. Era, em suma, uma língua oral, com palavras que, até hoje, permitem duas ou mais pronúncias diferentes.

Está com as famílias, portanto, o poder de resgatar o talian da queda, uma vez que fora de casa quem prevalece é o português. Segundo Marley, alguns fatores favorecem o sumiço gradual do dialeto — o mais importante deles: os pais estão deixando de falar a língua com seus filhos. Algo impensável na casa dos Ziliotto, também em Serafina Corrêa.

Albino e Zelinda Ziliotto culpam a tecnologia pelo
 desinteresse das crianças em valorizar o talian.
Seu Albino, aos 74 anos, não vai carregar qualquer parcela de culpa por deixar o dialeto esmorecer. Não só insiste no talian com seus quatro filhos, 13 netos e quatro bisnetos, mas também na manutenção dos costumes que herdou dos avós italianos. Cita alguns:

— L’è bisogno darghe un bon di, farghe na vìsita ai maladi, cognosser la colònia. Ghe ze gente che vien del paese che no sà gnanca cossa che sia un fogon a legna (Tem que dar bom dia, visitar os doentes, conhecer a roça. Tem gente que vem lá da cidade e não sabe nem o que é um fogão a lenha).

Ele e a mulher, Zelinda, presenças assíduas nos filós (encontros de famílias italianas, cheios de comes, bebes, cantorias e causos), tiram o sustento com a produção de queijos, salames e vinhos, entre outras iguarias tradicionais, e têm uma ideia fixa sobre quem é a verdadeira destruidora do talian: a tecnologia.

— A gente até tenta conversar com as crianças, mas depois que veio a tevê e o tal de computador, ninguém mais consegue a atenção da piazada — diz Albino, com a anuência de Zelinda.

O locutor e animador Edgar Marostica tenta ir na contramão. Palestras e programas de rádio posicionam o talian de uma maneira engraçada, mas no contexto da história dos imigrantes italianos na região.

— É uma maneira de, através de uma brincadeira, despertar as crianças para a importância da sua origem. O meu filho de dois anos entende tudo o que eu digo e já ensaia as primeiras palavras em talian — relata o humorista.

Do convívio com a avó, Simone se tornou fluente em talian,
 mas depois de ir para a escola, foi se aquietando: hoje, só fala o básico.
Algo que também aconteceu com a pequena Simone Bedin, seis anos. Está sendo alfabetizada em português, mas em casa, só fala o talian.

— É que a minha nona não entende outra língua — se explica.

Os avós da nona chegaram da Itália ao Brasil na virada para o século 20. Como não foi à escola e passou boa parte da vida ajudando os parentes a cuidar de um pedacinho de terra em Guaporé (cidade da qual Serafina Corrêa fazia parte antes de se emancipar), Antonia Bedin, 81 anos, não aprendeu uma palavrinha sequer em português. Dos diálogos em talian sobre o cotidiano das lidas campeiras, fez-se uma neta fluente no idioma imigrante.

Quando entrou na escola, dois anos atrás, a menina era uma tagarela do talian, conta a professora Isabel Bazza. Foi se aquietando ao longo do tempo e, hoje, fora do convívio familiar, só fala o bê-á-bá: nome, idade, comida preferida. Às vezes, como se um botão fosse acionado dentro dela, desata a falar, normalmente após o estímulo de um questionamento feito em dialeto. Se Simone ouvir alguém perguntando, em talian, quais bichos ela tem em casa, virá a resposta rápida (e um sopro de esperança aos que querem ver o talian renascer):

– Gat, can, galina, porco, vaca, beco (Gato, cachorro, galinha, porco, vaca, cabrito).

Fonte: Zero Hora