Apresentação

O Forlibi surgiu da necessidade de unir as línguas brasileiras de imigração com o objetivo de instaurar um diálogo permanente entre estas comunidades linguísticas, e se propõe a ser um espaço de pesquisa, mediação e articulação política em variadas frentes para o fortalecimento das mesmas. Reunindo falantes e representantes das línguas de imigração e de instituições parceiras, tem como propósito delinear ações coletivas para a promoção das línguas nas políticas públicas em nível nacional.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

Inventário irá promover língua pomerana em nível nacional

Foto: Leonardo Meira

Inventário irá promover língua pomerana em nível nacional

Leonardo Meira

Com um trabalho intenso, de mais de 10 anos, a língua pomerana finalmente será reconhecida no Inventário das Línguas Brasileiras. Bastante discutida, debatida e avaliada, a proposta foi uma das 20 selecionadas no Edital de Chamamento Público do Conselho Federal Gestor do Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, do Ministério da Justiça. 

O Inventário da Língua Pomerana (ILP) se alinha à Política do Inventário Nacional da Diversidade Linguística (INDL), desenvolvida pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e toma por base o Guia para Pesquisa e Documentação, que orienta essa política. 

Sua concepção e proposta de execução é parte de uma parceria que vem se consolidando desde 2007, e que envolve o Instituto de Investigação e Desenvolvimento em Política Linguística (IPOL), sediado em Florianópolis, Santa Catarina, e instituições e pesquisadores do Espírito Santo, estado onde estão concentradas as comunidades pomeranas focalizadas na proposta. 

Mas o que isso quer dizer? Quer dizer que o pomerano, inicialmente no Espírito Santo, será legitimado como uma das línguas inventariadas nacionalmente, assim como já acontece com as línguas guarani mbyá, talian e asurini do trocará, reconhecidas como referência cultural brasileira pelo Iphan e que fazem parte do INDL. 

A linguagem dos pomeranos já é reconhecida como patrimônio cultural pela Constituição do Espírito Santo e também é língua cooficial em cinco municípios do Estado: Santa Maria de Jetibá, Domingos Martins, Vila Pavão, Pancas e Laranja da Terra. 

O trabalho de inventariar a língua pomerana reunirá conforme a metodologia do INDL, informações sobre a situação sociolinguística atual das comunidades pomeranas, dando especial atenção aos âmbitos de uso e formas de circulação da língua, fotos, mapas, documentos históricos, cultura, entre outras formas de pesquisa. 

O corretor Lourival Berger colocou-se à disposição para contribuir com pesquisa - Foto: Leonardo Meira

Parcerias - Será um trabalho coletivo, em parceria com o IPOL, prefeituras, associações, instituições de pesquisa entre outros. A professora Sintia Bausen Küster, Mestre em Educação pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), que está envolvida no projeto, ressalta que a iniciativa do ILP configura apenas uma etapa do trabalho de inventário da língua pomerana, que nesta primeira empreitada abarcará em torno de 13 municípios de maior presença pomerana no Espírito Santo.

Posteriormente, segundo ela, poderá agregar dados de outras regiões do Brasil que também possuem falantes do pomerano. Sintia salienta ainda que assim que o financiamento estiver à disposição, será formada uma equipe de trabalho que envolverá atores locais, ou seja, das próprias comunidades, especialmente falantes. 

É o caso do senhor Lourival Berger Bausen, de 63 anos, um corretor de imóveis, apaixonado pela história e tradição pomerana e que já se “voluntariou” para participar da pesquisa. “Esse projeto é extremamente necessário. Não vamos desaparecer do mapa. Ao contrário, vamos existir, aparecer, nos mostrar para o mundo. Não precisamos ter medo de sermos pomeranos. Precisamos nos orgulhar. Nós existimos”, poetizou Bausen. 

Ele lembrou que a história dos pomeranos quase acabou após a 2ª Guerra Mundial e que, somente ao final dos anos 1980 é que a cultura pomerana foi resgatada. O ILP, através da pesquisa e da disponibilização de conhecimento sobre a mesma, salvaguarda ações de promoção dessa língua na educação, nas artes, na cultura, nas ciências, nos direitos linguísticos e se torna referência cultural brasileira. 

“Essa proposta do Inventário vem em um momento de grande importância no cenário de legitimação da língua pomerana no Espírito Santo, uma vez que já existem outros municípios cooficializados por meio de lei municipal e estadual”, afirma Sintia. 

O Espírito Santo é referência na língua pomerana, mas o idioma também é falado em pequenas comunidades de outros estados brasileiros, como Minas Gerais, Rondônia, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Fora do Brasil há relatos da língua pomerana nos Estados Unidos e também na Austrália. Na Alemanha, a língua, hoje, é praticamente desconhecida. 

Língua pomerana é ensinada em escolas da região
Um dos projetos que visa manter viva a língua pomerana entre os filhos de descendentes é o Programa de Educação Escolar Pomerana (Proepo). Sintia Bausen Kuster, que já foi coordenadora Proepo em Santa Maria de Jetibá, ressalta que o programa, que vinha sendo discutido desde 1991 e passou a funcionar a partir de 2005 nas escolas municipais, foi um dos grandes impulsionadores da tradição e vivência da língua pomerana. 

“Acredito que sem o ensinamento da língua nas escolas essa referência de identidade cultural poderia acabar. Assim como o projeto do inventário, o Proepo vem de uma discussão e debates de longa data por defensores e estudiosos, justamente quando se percebeu que a língua pomerana poderia perder sua identidade. Por isso corremos atrás desse objetivo de manter a língua viva, e inventariá-la significa produzir conhecimento sobre a mesma e reforçar todo o trabalho que já vendo sendo realizado por diferentes instituições, pesquisadores e militantes no intuito de garantir a sua vitalidade”, enfatizou. 

Além de Santa Maria de Jetibá, moradores de Domingos Martins, Pancas, Vila Pavão, Laranja da Terra, Itarana e Afonso Cláudio utilizam a língua no dia a dia das comunidades e nas escolas. "Desde pequenas, as crianças ouvem o pomerano em conversas dentro de casa. As primeiras palavras são, geralmente, em pomerano. Por isso, é importante manter viva nossa língua materna", diz Guerlinda Westphal Passos, coordenadora do Proepo.

"Antes, as crianças tinham receio de vir à escola, porque, muitas vezes, não sabiam falar o português corretamente. Isso aconteceu comigo. Quando fui à escola não entendia nada em português. A professora perguntou o meu nome e eu não sabia responder. Minha prima me deu uma ‘cotoveladinha’ e, em pomerano, disse: 'Fala seu nome!' Só aí respondi. Hoje, acontece o contrário. O pomerano e o português convivem em harmonia para o bem da nossa cultura", conta a coordenadora, que é professora e descendente de pomerano. 

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